Da série "Cartas de Nicodemus"
De Augustus Nicodemus Lopes
[Os nomes foram trocados para proteger as pessoas. Embora algumas
circunstâncias mencionadas na carta sejam totalmente fictícias, o caso é mais
real do que se pensa...]
Meu caro Ricardo,
Ontem estive pregando em sua igreja e tive a oportunidade de rever João, nosso
amigo comum. Não lhe encontrei. João me disse que você e a Raquel, sua
namorada, tinham saído com a turma da mocidade para um acampamento no fim de
semana e que só regressariam nessa segunda bem cedo.
Saí com o João para comer pizza após o culto e falamos sobre você. João abriu o
coração. Ele está muito preocupado com você, desde que você disse a ele que tem
ido com Raquel para motéis da cidade e às vezes até mesmo depois do culto de
jovens no sábado à noite. Ele falou que já teve várias conversas com você mas
que você tem argumentado defendendo o sexo antes do casamento como se fosse
normal e que pretende casar com Raquel quando terminarem a faculdade.
Ele pediu minha ajuda, para que eu falasse com você, e me autorizou a mencionar
nossa conversa na pizzaria. Relutei, pois acho que é o pastor de sua igreja que
deve tratar desse assunto. Você e a Raquel, afinal, são membros comungantes
dessa igreja e estão debaixo da orientação espiritual dela. Mas, João me disse
que o pastor faz de conta que não sabe que essas coisas estão acontecendo na
mocidade da igreja. Como sou amigo da sua família fazem muitos anos, desde que
vocês freqüentaram minha igreja em São Paulo, resolvi, então, escrever para
você sobre esse assunto, tendo como base os argumentos que você usou diante de
João para justificar sua ida a motéis com a Raquel.
Se entendi direito, você argumenta que não há nada na Bíblia que proiba sexo
antes do casamento. É verdade que não há uma passagem bíblica que diga "não
farás sexo antes do casamento;" mas existem dezenas de outras que
expressam essa verdade com outras palavras e de outras maneiras. Podemos
começar com aquelas que pressupõem o casamento como sendo o procedimento
padrão, legal e estabelecido por Deus para pessoas que desejam viver juntas
(veja Mateus 9:15; 24:38; Lucas 12:36; 14:8; João 2:1-2; 1Coríntios 7:9,28,39),
aquelas que abençoam o casamento (Hebreus 13:4) e aquelas que se referem ao
divórcio - que é o término oficial do casamento - como algo que Deus aborrece
(veja Malaquias 3:16; Mateus 5:31-32).
Podemos incluir ainda aquelas passagens contra os que proíbem o casamento
(1Timóteo 4:3) e as outras que condenam o adultério, a fornicação e a
prostituição (veja Mateus 5:28,32; 15:19; João 8:3; 1Coríntios 7:2; 6:9;
Gálatas 5:19; Efésios 5:3-5; Colossenses 3:5; 1Tessalonicenses 4:3-5; 1Timóteo
1:10; Hebreus 13:4; Apocalipse 21:8; 22:15). Qual é o referencial que nos
possibilita caracterizar esses comportamentos como desvios, impureza e pecado?
O casamento, naturalmente. Adultério, prostituição e fornicação, embora tendo
nuances diferentes, têm em comum o fato de que são relações sexuais praticadas
fora do casamento. Se o casamento, que implica num compromisso formal e legal
entre um homem e uma mulher, não fosse a situação normal onde o sexo pode ser
desfrutado de maneira legítima, como se poderia caracterizar como desvio o
adultério, a fornicação ou a prostituição? A Bíblia considera essas coisas como
pecado e coloca os que praticam a impureza sexual e a imoralidade debaixo da
condenação de Deus - a menos que se arrependam, é claro, e mudem de vida.
Você argumenta também que o casamento é uma conveniência humana e que muda de
cultura para cultura. Bom, é certo que o casamento tem um caráter social, cultural
e pessoal. Todavia, do ponto de vista bíblico, não se pode esquecer que foi
Deus quem criou o homem e a mulher, que os juntou no jardim, e disse que seriam
uma só carne, dando-lhes a responsabilidade de constituir família e dominar o
mundo. O casamento é uma instituição divina a ser realizada pelas sociedades
humanas. Embora as culturas sejam distintas, e os rituais e procedimentos dos
casamentos sejam distintos, do ponto de vista bíblico o casamento implica em
reconhecimento legal daquela união por quem de direito, trazendo implicações
para a criação e tutela dos filhos, sustento da casa e também responsabilidades
e conseqüências em caso de separação e repúdio. Quando duas pessoas resolvem ir
morar juntas como se fossem casadas, essa decisão não faz delas pessoas casadas
diante de Deus - mas (desculpe a franqueza), pessoas que estão vivendo em
imoralidade sexual.
É verdade que a legislação de muitos países tem cada vez mais reconhecido as
chamadas uniões estáveis. É uma triste constatação que o casamento está cada
vez mais sendo desvalorizado na sociedade moderna ocidental. Todavia, esses
movimentos no mundo e na cultura não são a bússola pela qual a Igreja determina
seu norte - e sim a Palavra de Deus. Em muitas culturas a legislação tem
sancionado coisas que estão em contradição com os valores bíblicos, como
aborto, eutanásia, uniões homossexuais, uso de drogas, etc. A Igreja deve ter
uma postura crítica da cultura, tendo como referencial a Palavra de Deus.
O João me disse ainda que você considera que o mais importante é o amor e a
fidelidade, e que argumentou que tem muita gente casada mas infeliz e infiel
para com o cônjuge. Ricardo, é um jogo perigoso tentar justificar um erro com
outro. Gente casada que é infiel não serve de desculpas para quem quer viver
com outra pessoa sem se casar com ela. Além do mais, como pode existir o
conceito de fidelidade numa união que não tem caráter oficial nem legal, e que
não teve juramentos solenes feitos diante de Deus e das autoridades
constituídas? Mesmo que você e sua namorada façam uma "cerimônia"
particular onde só vocês dois estão presentes e onde se casem a si mesmos
diante de Deus - qual a validade disso? As promessas de fidelidade trocadas por
pessoas não casadas têm tanto valor quanto um contrato de gaveta. Lembre
inclusive que não é a Igreja que casa, e sim o Estado. Naqueles casamentos
religiosos com efeito civil, o pastor ou padre está agindo com procuração do
juiz.
Não posso deixar de mencionar aqui que na Bíblia o casamento é constantemente
referido como uma aliança (veja Ezequiel 16:59-63). Deus é testemunha dessa
aliança feita no casamento, a qual também é chamada de "aliança de nossos
pais", uma referência ao caráter público da mesma (não deixe de ler
Malaquias 2:10-16).
Não fiquei nem um pouco surpreso com seu outro argumento para fazer sexo com
sua namorada, que foi "é importante conhecer bem a pessoa antes do
casamento". Já ouvi esse argumento dezenas de vezes. E sempre o considerei
uma burrice - mais uma vez, desculpe a franqueza. Em que sentido ter relações
sexuais com sua namorada vai lhe dar um conhecimento dela que servirá para
determinar se o casamento vai dar certo ou não? Embora o sexo seja uma parte
muito importante do casamento, o que faz um casamento funcionar são os
relacionamentos pessoais, a tolerância, a compreensão, a renúncia, o amor, a
entrega, o compartilhar... você pode descobrir antes do casamento que sua
namorada é muito boa de cama, mas não é o desempenho sexual de vocês que vai
manter ou salvar seu casamento. Esse argumento parte de um equívoco fundamental
com relação à natureza do casamento e no fim nada mais é que uma desculpa tola
para comerem a sobremesa antes do almoço.
Agora, o pior argumento que ouvi do João foi que você disse "a graça de
Deus tolera esse comportamento." Acho esse o pior argumento porque ele
revela uma coisa séria em seu pensamento, que é tomar a graça de Deus como
desculpa para um comportamento imoral. Esse sempre foi o argumento dos
libertinos ao longo da história da igreja. O escritor bíblico Judas, irmão de
Tiago, enfrentou os libertinos de sua época chamando-os de "homens ímpios,
que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único
Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Judas 4). Esse é o caminho de Balaão "o
qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para
comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição"
(Apocalipse 2:14). É a doutrina da prostituta-profetisa Jezabel, que seduzia os
cristão "a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos
ídolos" (Apocalipse 2:20) e a conhecer "as coisas profundas de
Satanás" (Apocalipse 2:24).
Como seu amigo e pastor, permita-me exortá-lo a cair fora dessa maneira
libertina de pensar, Ricardo, antes que sua consciência seja cauterizada pelo
engano do pecado (Hebreus 3:13). Ainda há tempo para arrependimento e mudança
de atitude. A abstinência sexual é o caminho de Deus para os solteiros, e esse
estilo de vida é perfeitamente possível pelo poder do Espírito, ainda que aos
olhos de outros seja a coisa mais careta e retrógrada que exista. Se você
realmente pensa em casar com a Raquel e constituírem família, o melhor caminho
é pararem agora de ter relações e aguardarem o dia do casamento. Vocês devem
confessar a Deus o seu pecado e um ao outro, e seguir o caminho da abstinência,
com a graça de Deus.
Estou à sua disposição para conversarmos pessoalmente. Traga a Raquel também.
Estou orando por vocês.
Um grande abraço,Pr. Augustus